Hoje trazemos ao blog uma entrevista muito bem realizada pelo amigo Wagner Ribeiro, que assim como o mestre Ivson Filipak nos deixou transcreve-la aqui por completo!
Esta matéria pode ajudar amplamente de iniciantes a mais experientes um pouco mais desta espécie que fascina bonsaistas do mundo todo. Sempre é bom ler e reler afim de relembrar e rever alguns pontos.
Expresso meus agradecimentos e minha admiração a estes dois amigos que quando procurados por mim, foram muitos cordiais e prestativos.
Por Wagner Ribeiro (http://wrbonsaimagazine.wordpress.com)
A Azaleia Satsuki possui lugar de destaque no universo do bonsai. Pensando bem, é possível dizer, inclusive, que ela transita neste universo, mas possui um mundo a parte. Os clubes dedicados às Azaleias organizam exposições exclusivas, tanto no período em que estão em plena floração, quanto na fase em que é possível observar unicamente a beleza das folhas e ramificações. Azaleia Satsuki, variedade Osakazuki, do bonsaista japonês Kunio Kobayashi quando está coberta por flores, o espectador leigo, ou seja, quem não cultiva bonsai, simplesmente é tocado pela beleza e se deixa emocionar.
Já o bonsaista que ainda não tem intimidade com as técnicas de cultivo da espécie começará a se fazer uma série de perguntas: qual o melhor tipo de substrato para Azaleia? Qual é a melhor época para o transplante? E a fertilização? Como conseguir boas ramificações? E, principalmente, como faço para que a Azaleia abra as flores todas ao mesmo tempo?
Para compreender as técnicas pelas quais é possível exprimir o máximo da beleza das Azaleias Satsukis, conversamos com o bonsaista paranaense Ivson Filipak, um dos expoentes brasileiros da arte do bonsai.
Substrato:
WR – Quais são as características do substrato ideal para a Azaleia Satsuki?
Ivson – O fundamental é que o substrato da Azaleia seja ácido. No meu caso, consigo usar um substrato importado do Japão que se chama Kanuma. O uso do Kanuma oferece algumas vantagens: ele é naturalmente ácido, o PH varia entre 4,5 e 5, retém boa umidade e, por ser leve, proporciona boa aeração e favorece o desenvolvimento das raízes finas, características das Azaleias.
WR – Para quem não tem acesso ao Kanuma, como é possível acidificar o substrato?
Ivson – Com o uso de matéria orgânica, tais como casca de pinus e turfa. Mas aqui no Paraná existe um substrato chamado Qualytá, produzido pelo Gerson Araldi, que funciona muito bem para Azaleias (veja o box de produtos no fim da matéria). Uma dica interessante é comprar um medidor de PH, é um aparelhinho pequeno e fácil de encontrar. O PH da azaleia deve ficar entre 4,5 e 5,5. Ao medir e identificar que está fora do desejado, é possível colocar vinagre na rega para corrigir o problema, cerca de 1ml por litro de água, uma vez por semana (saiba mais sobre o substrato Qualyta em:http://www.obonsai.com.br/produto/1363-qualita-medio-1-litro).
WR – O que acontece com a Azaleia se o substrato não for ácido?
Ivson – A planta vai sobreviver, mas não terá desenvolvimento pleno em nenhum aspecto. Os efeitos do substrato com PH inadequado refletem principalmente na qualidade da floração, que se torna fraca e rala.
Rega:
WR – No que diz respeito à rega, existe alguma peculiaridade para as Azaleias?
Ivson – Não há muita diferença do restante dos Bonsai. Entretanto, quando as Azaleias estão em período de floração, o ideal é não molhar as flores, regando só o substrato, para que elas não apodreçam rápido e tenham pouco tempo de durabilidade. Se houver chuva, vale e pena resguardá-las. E, como já foi dito, o uso do vinagre na rega para acidificar o solo, caso não se use o Kanuma.
Fertilização:
WR – Qual o tipo de fertilizante mais indicado para Azaleias?
Ivson – O uso de fertilizantes químicos, em formatos líquidos ou sólidos, e até mesmo o Osmocote, não são indicados. As raízes das Azaleias são muito finas, quase lanosas, e o fertilizante químico pode queimá-las com facilidade. O mais indicado são os fertilizantes orgânicos, por serem mais suaves e ainda ajudarem na acidificação do substrato. Eu uso o Biogold e o GreenKing. Mas é perfeitamente possível produzir fertilizantes em casa e que funcionam muito bem. Dá para fazer bolas de adubo usando torta de mamona, farinha de osso, farinha de sangue, extratos de peixes, entre outros elementos, cujo mix fica por conta da preferência de cada bonsaista.
WR – E quanto à frequência e aos períodos adequados para fertilizar?
Ivson – A fertilização das Satsukis deve iniciar no final de inverno/início da primavera e interromper um pouco antes (15-30 dias) do início da floração ou até que os novos brotos tenham parado de crescer. Após a floração é necessário continuar a fertilização, visto que novos brotos crescerão, até o final de abril. No inverno não se fertiliza.
Sol:
WR – Qual a quantidade de sol necessária para a Azaleia Satsuki?
Ivson – A Azaleia Satsuki não tem necessidade de sol pleno, aliás, o sol muito forte pode até ser prejudicial, principalmente quando estão em fase de brotação, pois os brotos novos são sensíveis ao sol agressivo. Mantê-las em meia sombra é o ideal para que fiquem saudáveis. Por meia sombra, me refiro a um local em que elas recebam sol somente pela manhã ou à tarde.
Transplante:
WR – O fato de as raízes da Azaleias Satsuki serem muito finas exige cuidado especial para realizar o transplante?
Ivson – Existem dois casos distintos no que diz respeito ao transplante de Azaleia Satsuki:
1) O primeiro transplante após a compra da planta em viveiro é sempre o mais perigoso, o mais crítico. Nem sempre os produtores conseguem usar substrato adequado, de modo que a massa de raiz fica bastante compactada. Neste caso, é preciso retirar o máximo possível do substrato antigo, às vezes, até lavar as raízes para ajudar a descompactar o torrão.
2) Depois que o exemplar foi plantado em substrato adequado, não será mais preciso mexer tanto nas raízes durante o transplante. O ideal é retirar somente um pouco da parte de baixo e das laterais. Em seguida, cortar quatro ou cinco fatias em “v” da massa de raiz, como se estivesse cortando um bolo. Os cortes em “v” não enfraquecem tanto a planta e novas raízes irão se desenvolver nas fissuras, além disso, a boa drenagem e entrada de ar estarão garantidas.
Ao realizar o transplante a partir deste método, muitas raízes são mantidas intactas, o que diminui o stress do transplante e promove recuperação mais rápida
WR – Existe algum cuidado especial pós-transplante, como o uso de hormônios enraizadores, por exemplo?
Ivson – O hormônio enraizador é sempre um bom auxiliar no pós-transplante, mas não é imprescindível. Outros cuidados são:
- Colocar musgo esfagno umedecido por toda a superfície do vaso, para prevenir ressecamento das raízes;
– Colocar a planta na sombra por 2 ou 3 semanas e gradualmente ir expondo ao sol;
– Não fertilizar até 1 mês após o transplante.
Técnicas de formação:
WR – Qual é a melhor forma para desenvolver a estrutura das Azaleias?
Ivson – Uma grande vantagem no cultivo de Azaleia Satsuki é a facilidade com que ela rebrota, inclusive na madeira velha. É possível deixá-la crescer para engrossar o tronco e depois fazer podas drásticas. Em poucos dias, novas brotações irão surgir em todas as partes. Na medida em que as brotações novas vão crescendo, o bonsaista pode escolher as que ele usará para desenvolver a estrutura, e, então, retirar as que não terão utilidade. A técnica de deixar crescer e podar funciona muito bem para o desenvolvimento das Satsukis.
WR – Esta técnica funciona também no caso de mudas, produzidas por estacas, por exemplo?
Ivson – Aí o caso é um pouco diferente. As Azaleias são plantas basais, quer dizer, elas têm mais força de crescimento na região inferior, por isso, elas desenvolvem várias ramificações na base, o que dificulta a formação de um único tronco. Com estacas, os japoneses utilizam a técnica de retirar todas as brotações da parte inferior da planta, deixando somente uma brotação superior, para que a muda fique bem comprida e fina. Após atingir a altura desejada, é feita a primeira aramação, para dar movimento ao tronco. A partir daí, começa o trabalho de deixar a muda crescer livremente, no vaso ou chão, para que comece a engrossar.
Fonte: http://www.ne.jp/asahi/bonsai/satsuki/
WR– Ivson, neste período de desenvolvimento existe alguma restrição no que diz respeito a deixar a Satsuki florir?
Ivson – Não há restrição visto que após a floração nova brotação surgirá. O que não se deve é deixar os pecíolos das flores que murcharam para não desperdiçar energia extra na formação de sementes.
Aramação:
WR – As Azaleias Satsukis exigem algum cuidado especial com a aramação?
Ivson – A casca da Satsuki é fina, sensível, por isso, a aramação deve ser feita com arame de alumínio, que é macio. Alguns bonsaistas inclusive encapam o arame com papel para não machucar os galhos. O arame pode ser aplicado em qualquer época do ano sendo mais indicado após a floração, mas vale ressaltar que os galhos da Satsuki são pouco flexíveis, quebram com facilidade, por isso, o ideal é aplicar o arame assim que eles se tornam lenhosos. E mais, não adianta tentar fazer curvas muitos acentuadas, pois eles se quebrarão facilmente.
Arame encapado com papel para proteger os galhos
Fonte: http://bonsaiunearthed.com/fujikawa-kouka-en/satsuki-azaleas/
Detalhe da ramificação da Azaleia Satsuki de Ivson Filipak. |
WR – Existe alguma regra para formar a estrutura da Azaleia Satsuki?
Ivson – Não. O mais importante nas Satsukis é a beleza da floração. A estrutura e a posição de galhos não são tão importantes, como no caso dos Pinheiros, por exemplo. Embora existam, sem qualquer problema, Satsukis formadas a partir da estrutura tradicional de primeiro, segundo, terceiro galho etc, elas podem ser formadas a partir de uma grande massa de ramificações, como o caso da minha. O importante é a forma final e como as flores são distribuídas sobre ela.
Desenvolvimento do nebari:
WR – Existe técnica para desenvolver o nebari da Azaleia Satsuki?
Ivson – As Satsukis desenvolvem raízes finas, lanosas, até mesmo na superfície no substrato. No momento do transplante, principalmente de plantas jovens, é importante retirar menos raízes da parte de baixo e mais raízes da superfície do substrato, para ir expondo gradativamente o nebari da planta. Se você retirar muitas raízes da parte de baixo e das laterais, e, ainda assim, precisar retirar da área superior para expor o nebari, é possível que a planta perca muitas raízes e enfraqueça. Neste ponto, é necessário atenção. Mas se o objetivo do artista é trabalhar a Satsuki em estilo neagari [raízes expostas] o ideal é que a planta seja cultivada em um vaso profundo. E a cada transplante deve-se retirar somente o substrato da região superior, assim, as raízes expostas vão se tornando cada vez mais longas e massa de raízes continuará se desenvolvendo para baixo.
Desenvolvimento de ramificação:
WR – Qual é a importância de a Azaleia Satsuki ter ramificações bem desenvolvidas?
Ivson – Devemos pensar que em cada ponta de ramificação se desenvolverá uma flor. O trabalho de ramificação da Satsuki é fundamental para que ela tenha boa silhueta e, consequentemente, floração uniforme. Mas, claro, o trabalho de ramificação deve estar amparado pelos cuidados com o cultivo, o que garantirá floração abundante.
WR – Qual a forma adequada para desenvolver boa ramificação?
Ivson – Para desenvolver boa ramificação é preciso realizar periodicamente podas de manutenção. As ramificações devem ser podadas sempre depois da floração, caso se faça a poda antes deste período, a planta perderá todos os botões de flor e só irá florir no ano seguinte. A ordem do trabalho seria mais ou menos a seguinte:
1) Quando as flores começam a cair, você deve retirar todas elas, juntamente com os pecíolos [pequeno caule que prende as flores às ramificações]. É importante retirar todos os pecíolos para que a planta não gaste energia desnecessariamente produzindo sementes na cápsula da flor.
2) Após retirar as flores e pecíolos, é possível visualizar melhor as ramificações. Como a Satsuki produz várias brotações em um mesmo ponto, devemos deixar somente duas delas, de força semelhante, formando uma bifurcação. Esse trabalho deve ser realizado em toda a planta. Para conseguir melhor equilíbrio de energia, se possível, você pode deixar ramificações um pouco mais fracas na área inferior e um pouco mais fortes na região superior, por conta de as Azaleias terem crescimento basal (veja box equilíbrio de energia).
3) O próximo passo é podar as ramificações que já deixamos em forma de bifurcação. A partir da poda das ramificações é que vamos construindo a silhueta que imaginamos previamente para a nossa planta. Neste caso, não importa se existem folhas ou não na região em que você vai cortar a ramificação. A Satsuki irá brotar normalmente. Aliás, as Azaleias podem ser desfolhadas inteiramente sem qualquer prejuízo para a planta.
WR – Com que frequência essa poda de manutenção pode ser realizada?
Ivson – Isso depende do estágio de desenvolvimento da planta. No caso de bonsai já formado, esta intervenção pode ser realizada na medida em que a planta for perdendo a forma. Já em se tratando de plantas em fase de formação estrutural, o bonsaista deve analisar a necessidade de acordo com a forma e o tamanho que ele pretende alcançar.
WR – Por que na poda de manutenção são deixadas sempre duas ramificações em cada ponta?
Ivson – Por três motivos.
1) ao cortar a ponta de cada ramificação, a Satsuki desenvolverá várias brotações novas naquela região, que no futuro serão reduzidas para somente duas, isso significa que você dobrará o número ramificação a cada intervenção, melhorando constantemente a forma do seu bonsai.
2) As brotações novas precisam de espaço e de sol para se desenvolverem plenamente. Ao deixar somente duas ramificações, você oferece esse espaço necessário para o desenvolvimento pleno dos novos brotos.
3) deixar somente duas ramificações é esteticamente mais agradável e facilitará no momento de colocar os botões de flor na posição correta, o que fará a floração ter aparência uniforme, harmoniosa.
Técnica para conseguir floração uniforme:
WR – Ivson, normalmente a Azaleia Satsuki vai florindo aos poucos. Você poderia explicar qual é a técnica para que as flores desabrochem todas ao mesmo tempo?
Ivson – Para que as flores desabrochem ao mesmo tempo, que é o que eu chamo de floração uniforme, a Satsuki precisa de treinamento, em outras palavras, ela precisa ser “ensinada”. A técnica é aplicada em duas etapas:Em primeiro lugar, vem a fase treinamento: todos os anos, mesmo que a Azaleia floresça de pouco em pouco, espere até ela abrir de 70% a 80% dos botões, então, retire todas as flores, com o pecíolo, e todos os botões que ainda não abriram. Fazendo isso durante alguns anos, a Satsuki aprende que ela deve florescer uniformemente.
A segunda etapa, complemento da primeira, é a seleção e coleta dos botões desnecessários: o ideal é deixar somente um botão de flor na ponta de cada ramificação, caso exista mais de um, retire. Todos os botões que estão no interior da planta também devem ser retirados, porque eles não servirão para compor a silhuetas e só consumiram energia da planta. Mais uma dica é deixar botões de tamanho aproximado, quer dizer, na mesma fase de desenvolvimento. Essa técnica de colher os botões é muito importante, pois com ela você consegue selecionar aqueles que abrirão ao mesmo tempo, e também equilibra a energia que a Satsuki vai dispensar para a floração, já todos os galhos da planta terão aproximadamente a mesma quantidade de botões.Com o passar de alguns anos, a planta vai se educando e passa a florir uniformemente por conta própria. Mas, vale ressaltar, é fundamental a correta fertilização para que a planta tenha energia suficiente para uma boa floração.
WR – Quando falávamos da técnica de ramificação, você citou o fato de reposicionar o botão de flor. Pode explicar melhor isso?
Ivson – Ah, sim, essa é uma dica importante, digamos, um “segredinho” valioso. Depois de aplicar os procedimentos de que falamos agora, é possível que existam botões crescendo para cima ou para os lados, ou até mesmo ramificações um pouco afastadas umas das outras, dependendo do estágio de desenvolvimento da planta. Ao identificar isso, você pode aplicar um arame de alumínio, bem fininho, para reposicionar os botões e pequenas ramificações, preenchendo possíveis espaços vazios. Feito isso, é só esperar os botões abrirem. E contemplar a harmonia da floração uniforme.
WR – É preciso muita dedicação!
Ivson – Sem dúvida! É um trabalho que exige muita atenção, muita dedicação. Mas a Satsuki sempre nos recompensa com uma beleza magnífica. O resultado vale todo o esforço.
WR – Ivson, muito obrigado por dividir conosco o seu conhecimento sobre Azaleia Satsuki.
Ivson – Agradeço a você Wagner, pela oportunidade de transmitir algumas dicas para o desenvolvimento das Satsuki. O bonsai de Satsuki é muito admirado no Japão, tendo inclusive exposições específicas da espécie no mês de maio, que é o mês em que elas florescem lá, com edições anuais de catálogos destas exposições. O cultivo da Satsuki é realmente compensador pela intensa floração das mais variadas colorações. É gratificante!